quinta-feira, 22 de dezembro de 2011




A sardinha assada liga bem com um Conde de Vimioso
Por Alexandra Prado Coelho
FUGAS 05.11.2011

Treze vinhos, em prova cega, e muitas sardinhas assadas com batatas e pimentos - foi a primeira de 50 provas de harmonia entre pratos portugueses e vinhos, um projecto de Alexandra Maciel que irá dar um livro em 2012. Fomos saborear o primeiro teste.


Parece uma coisa simples, escolher um vinho para acompanhar um prato de sardinhas assadas, com batata cozida e salada com pimentos? Não é. Há vinhos mais indicados para a sardinha assada, como haverá para qualquer outro prato. Acontece que foi a sardinha o primeiro escolhido por Alexandra Maciel para o seu projecto: um livro, a sair em 2012, descrevendo 50 provas de harmonia, realizadas ao longo de um ano, entre vinhos e pratos portugueses (inspirado numa prova que fez recentemente com vinhos generosos e pastéis de nata).


E por isso lá estávamos todos numa noite de terça-feira, no Restaurante Verde Gaio, em Campo de Ourique, Lisboa, para o arranque do projecto. E Jorge, o dono do Verde Gaio, desesperado, porque logo neste dia a sardinha havia de desaparecer. O mau tempo dos dias anteriores impedira a pesca e não havia sardinhas à venda. Só em Peniche é que Jorge as encontrou e pôde finalmente respirar de alívio.


Tínhamos, portanto, as sardinhas. E os vinhos enviados pelos produtores. Alexandra Maciel convidou os produtores nacionais indicados no Guia Vinhos de Portugal 2012 de João Paulo Martins. O objectivo era ter um branco, um rosé e um tinto de cada uma destas regiões: Vinhos Verdes, Douro, Trás-os-Montes, Bairrada, Dão, Beiras, Tejo, Lisboa, Setúbal, Alentejo, Algarve, Açores e Madeira.


Mas havia duas condições: cada vinho deveria ter um preço no produtor que não ultrapassasse os quatro euros (a sardinha assada não pede vinhos nobres) e uma produção mínima de 100 mil garrafas (imaginemos que na época dos Santos Populares todos queriam beber aquele vinho - teria o produtor capacidade de dar resposta?). Esta segunda condição deixou de fora algumas regiões - os Açores, a Madeira, o Algarve e Trás-os-Montes.


No júri há 24 pessoas com perfis diferentes, dos conhecedores aos curiosos, dos especialistas aos principiantes. Sentemo-nos então à mesa. Temos (embora essa informação só nos chegue mais tarde, já no final da prova) Vinhos Verdes, do Douro, das Beiras, do Dão, do Tejo, de Lisboa, de Setúbal e do Alentejo. E à nossa frente um individual de papel com cinco rodelas numeradas. Em cada uma os empregados pousavam um copo de pé, negro. Começamos com cinco vinhos.


Chegar a este ponto exige algum trabalho prévio. Alexandra organizou uma pré-prova com dois especialistas para decidir a ordem pela qual os vinhos devem ser apresentados. É consensual que tem que se começar pelos vinhos mais suaves e avançar até aos mais fortes. Foi um ensaio do que iria ser o jantar. Também aí o Verde Gaio serviu as sardinhas (nesse dia bastante mais gordas) e experimentaram-se os 13 vinhos, mas com os rótulos à vista.


A ordem ficou a seguinte: Lóios Branco 2010; Altano Branco 2010; Varanda do Conde Alvarinho/Trajadura; Conde Vimioso Rosé 2010; Portada Rosé 2010; Tinto da Talha 2009; Chão das Rolas Tinto 2010; Conde Vimioso Tinto 2009; Vale do Viso Tinto 2008; Serrado Colheita Tinto 2008; Piornos Reserva Tinto 2007; Quinta da Lixa Vinhão (verde tinto); Portada Tinto 2009.


Voltemos à mesa, onde os membros do júri estão a enfiar os narizes dentro dos copos negros e a inspirar profundamente para perceber qual é o vinho. Todos identificam os brancos (a temperatura a que são servidos também dá pistas, e Alexandra deu ao restaurante uma folha com as temperaturas a que cada produtor aconselha que o seu vinho seja servido). Começam-se a ouvir comentários. Os provadores tomam notas numa folha branca, não arriscando ainda a dar pontuações (que vão de 0 a 20, entre o totalmente desequilibrado e o muito equilibrado) sem ter experimentado os vinhos seguintes.


Ouvem-se os primeiros comentários. "Esta prova é difícil", dizem alguns. A sardinha é um peixe com um sabor forte, por isso é natural que os vinhos mais suaves sejam "esmagados". Mas o que, na opinião de vários membros do júri, torna tudo mais difícil é que tem que se ter em conta não apenas o sabor das sardinhas, mas o das batatas e, sobretudo, do pimento.


Lá se dá mais uma garfada, tentando juntar todos os elementos, e depois um gole de um copo, outra garfada e um gole de outro, uma nota rabiscada na folha branca para não nos esquecermos e, a pouco e pouco, as diferenças começam a ficar mais evidentes, mesmo para um não conhecedor. Há vinhos demasiado fortes, outros demasiado adocicados, personalidades demasiado vincadas, escolhas que estariam muito bem para outros pratos, mas não para as sardinhas, que continuam a chegar à mesa acabadas de assar.


E, curiosamente, no final os gostos (ou seja, as pontuações) revelam-se e parece que há um consenso. Uma combinação equilibrada é algo que acaba por surgir como evidente. E neste caso, o que escolheu o júri para comer com sardinhas assadas? Nos dois primeiros lugares dois vinhos do Tejo: o Conde de Vimioso Tinto 2009, e o Conde de Vimioso Rosé 2010; e em terceiro o Piornos Reserva Tinto 2007.


Aguardemos para saber o que revela a próxima prova. O desafio é difícil. Desta vez a pergunta é: que vinho devemos beber com a cavala de escabeche?

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